Aquele som
Quando chegou na capital ouviu dizerem que havia um som
novo, coisa de gênio. Um sujeito que não cantava, sussurrava, a voz melódica, macia.
Duvidou daquilo e preferiu passar os dias tangendo as cordas do seu inseparável instrumento. Sabia que queria ir longe, mas desdenhava de como fazê-lo. Já
havia rompido com a vida tacanha que tivera em sua terra natal, aquela cuja maior
parte do tempo passava embaixo de alguma lenha frondosa, acompanhado do roto violão
e de alguns amigos.
Ao passar pelo centro da cidade foi tragado para dentro da
loja de discos. Pretendia ouvir alguma coisa. Provavelmente, um samba-canção,
um bolero ou, talvez, um chorinho. Mas foi justamente com aquele som que se deparou.
Pegou o acetato, tirou da embalagem, se trancou na cabine do
estabelecimento. Era mesmo coisa de gênio. O sussurro intimista entoando
clássicos de Gershiwn e Cole Porter entremeado com o som aveludado que passava pelos três pistos e se projetava para além da campana o deixou extasiado. Era um
fraseado contido, elegante, sem arroubos. A voz, inqualificável, alvejou em
cheio sua alma. Arriscou acompanhá-lo no canto, baixo, quase rouco, suave até o
limite. Aos poucos imprimia laivos de algum ineditismo e já se sentia
promissor. Quantas tardes não passou ali, preso, inarredável, praticamente esbulhado
da vida cotidiana?
Jamais o conheceria se não lhe tivessem cantado a bola.
Ficaria perambulando pelo centro em busca de algo que pudesse imprimir ao seu
violão – ou à sua voz - um compasso original, uma batida, uma arranhada. De certo
ficaria intimidado pelo pessoal da zona sul que já estava à sua frente, na
vida, na música, no mundo. Alguma novidade já estava em curso. Ele mal sabia o
quanto aquele som iria mudar sua vida
e, com ela, a música brasileira.
Em tempo: espero que os poucos leitores desse texto
saibam de quem estou falando...