E agora? O impeachment e os tipos ideológicos da atualidade - Roberto Barbato Jr
Quem viveu a década de noventa e
acompanhou o impeachment de Collor
jamais poderia imaginar que o Brasil se veria, novamente, às voltas com um
processo similar. Essa observação parece assumir maior relevo ao se considerar
que, desta vez, o impedimento se deu em relação ao partido que outrora tanto
falou em moralizar a coisa pública e banir a corrupção do poder. A história
flagrou os apologéticos da moralidade e da honestidade justamente no lugar que
tanto abominaram. Pois não seria exagero trazer à baila a máxima de Marx
segundo a qual a história acontece como tragédia e se repete como farsa. Até
nisso o Partido dos Trabalhadores resolveu fazer jus ao brilhantismo da
narrativa do autor de O Dezoito Brumário. Sua trajetória, hoje é inconteste,
cinge-se a uma farsa, uma fraude.
Concorde-se ou não com essas ponderações, não se pode fugir de questões que têm
sido amiúde discutidas pela polarização que se instaurou no país há pouco
tempo.
O "fora Temer" e o
"fora Dilma" tornaram-se slogans de posições que se apresentam
destituídas de qualquer conteúdo ou argumento sólido. São apenas uma forma de
expressão de quem não procura desvelar as nuances subjacentes ao debate
político atual. Situar o problema nesses termos é sinônimo da incapacidade
intelectual que a maioria dos apaixonados militantes tem demonstrado. E não me
venham com o pífio argumento de que os "foras" são uma espécie de
protesto. São bravatas inócuas.
Decorre dessa polarização a evidência
de tipos ideológicos – sim, estamos no campo da mera ideologia – que se
delinearam com precisão. Dois deles estão no centro do debate: os
"coxinhas da elite branca" e aqueles que se autoproclamam
proprietários da moralidade pública. Os primeiros teriam tramado o que se
convencionou chamar, pelos segundos, de golpe. A piada só não é mais jocosa
porque existe a esperança de que se reconheça o óbvio: um golpe jamais poderia
estar lastreado por procedimentos derivados da mais alta corte jurídica
brasileira. Mesmo que se queira atribuir à expressão alguma forma eufêmica,
ainda assim – reitere-se – o argumento não encontra arrimo na racionalidade.
Quanto aos segundos, bastaria mencionar seu maior representante: Luiz Inácio.
Quem tem acompanhado suas declarações deve lembrar-se que todos os brasileiros
foram, há tempos, rebaixados de postos na hierarquia da honestidade. Em 2005, o
nobre sindicalista disse que "Ninguém neste país tem mais autoridade moral
e ética do que eu para fazer o que precisa ser feito nesse país". Ninguém
mais do que ele? Pois é, assim foi falado e registrado. De lá para cá tivemos o
"Mensalão" e o "Petrolão" e, mesmo diante dos esquemas mais
corruptos da história nacional, Lula continua a ser o mais honesto brasileiro.
Em data recente, sem nenhum pudor, afirmou que "Não tem neste país uma
viva alma mais honesta do que eu”. Infelizmente, não pudemos ouvir a opinião de
José Dirceu que, nesse momento conturbado, tem se preocupado em manter
carregadores de celulares em sua cela.
Entre "coxinhas da elite
branca" e os "proprietários da honestidade" há um subgrupo que,
por sorte ou ironia, não vem assumindo relevância no cenário político: a
esquerda caviar. Dele participam os desamparados por qualquer senso crítico ou
categorial. Não têm mínima noção do que vem a ser uma classe social e mal sabem
o significado do tamanho do Estado na economia brasileira. Também não sabem que
a Pátria Educadora era uma proposta para incautos acreditarem e que jamais
poderia dar certo, como realmente não deu. Para eles afigura-se belo o discurso
que projeta mais uma grande farsa para a população: a ideia de que o Bolsa Família
e a atuação de Dilma foram capazes de reduzir a disparidade social no país. À
mingua do conhecimento de dados e acompanhamento da realidade nacional, os
integrantes da esquerda caviar só fazem repetir o que o senso comum reproduz. É
mais fácil assim e não se pode esperar deles posição diversa.
Se esses tipos ideológicos parecem
definidos, o que não se pode arriscar é o rumo que Temer irá impor ao Brasil
nos próximos anos. Conhecemos seu perfil de velho representante das arcaicas
práticas políticas nacionais, mas nem por isso seria razoável torcer para que
sua regência se dê sob uma frágil e incompetente batuta. Os debates políticos
continuarão efervescentes, suscitando, inclusive, questionamentos sobre a
legitimidade de seu governo. Será quase impossível preterir a política como
arena de discussões. Todavia, se se superar o viés politiqueiro (a política
ordinária tal como qualificada por Bobbio) dos tipos acima descritos,
poder-se-á adotar a concepção de que a gestão da economia depende mais de competência
técnica do que de habilidade política. Sob esse ponto vista, parece-me que,
desde o afastamento de Dilma, o Brasil tende a se reencontrar com um mínimo de
normalidade. A confiança de investidores no mercado voltou a ser objeto de
reflexão e as oscilações do câmbio aferiram novo ânimo às relações de comércio
e à produção industrial. Tudo isso, sem dúvida, ainda se desenha de forma
tímida. É um começo, entretanto.
Nesse momento, quiçá fosse producente
que "coxinhas da elite branca", "proprietários da
honestidade" e "pertencentes à esquerda caviar", voltassem os
olhos para as demandas dos trabalhadores, para o incremento na educação e na
proteção das garantias individuais que têm sido reiteradamente desprezadas no
Estado que se pretende de direito. O mercado e a economia reagiriam em
conformidade com essas iniciativas? Quem sabe...
É tempo de volver a atenção para o
futuro. Não cabem mais indignações sobre a precária capacidade cognitiva de
Dilma ou seu autoritarismo diante do Congresso Nacional. Tampouco se deve
perder tempo com ilações sobre o estelionato eleitoral que ela protagonizou no
último pleito presidencial.
Em tempo: se sou a favor de Temer? Nunca
fui. Minha torcida é pelo Brasil.