Naqueles tempos: a falta do Whats App
Naqueles
tempos não tinha celular, e-mail, Facebook, Whats App, nada disso. O contato com ela tinha de ser feito por
telefone. Depois de descoberto o número – o que já era uma façanha e tanto –,
tínhamos de enfrentar uma batalha: ligar para a casa dela, correndo o risco de sermos
surpreendidos por seu pai ou sua mãe. O pai, é claro, sempre atendia com aquela
voz grave indicativa de que era macho. Sem graça e educadíssimos, pedíamos o
favor de chamar a filha. O sujeito, que não era bobo, nem nada, perguntava sua
identidade. Não havia saída: você tinha que dizer o nome. Dependendo da
boçalidade dele, telefone no gancho.
Em alguns
casos, na cara dura, perguntava: “O que você quer com ela?”. Aquilo era um
constrangimento suficiente para suscitar uma resposta simples, mas honesta: “Quero falar
com ela”. A reação dele poderia ser, também, o telefone no gancho.
O máximo
era quando as meninas tinham uma linha reservada no quarto. Aí, a coisa fluía.
O problema é que, naqueles tempos, linha telefônica custava uma bala. Dificilmente,
uma menina dessas daria bola pra gente.
Com o
passar do tempo, criaram-se alguns recursos para não ter de lidar diretamente
com o pai da fulana. O negócio consistia em colocar alguma menina na parada.
Assim, se o sujeito perguntasse quem queria falar com a filha, a menina logo
diria: é uma amiga dela. Qualquer amiga era digna de confiança.
Eu tinha
uma amiga que valia por todas: a Carmem. Ela ligava para a casa da fulana e, em
menos de um minuto, estávamos falando ao telefone. Por aí se vê que a Carmem tinha
amizade com uma infinidade de meninas. O que não se botava reparo era que ela não
tinha voz de menina. Mesmo assim, o negócio dava certo. Podia-se até achar estranho,
mas a coisa ia pra frente.
Um dia a
fulana veio falar comigo. Quando atendeu, perguntou quem era e eu me
identifiquei. “Ué, não era a Carmem?”. Telefone no gancho.
Em algumas situações,
a ausência da Carmem era cruel. Sucedeu o seguinte... Uma fulaninha tinha
acabado de se apresentar no festival de balé. Terminado o espetáculo, já em
casa, liguei para ela. Pretendia fazer um meio de campo. O pai atendeu e, ato
contínuo, falou: “Boa noite, Brasil”. Sem saber o que fazer, perguntei: “Boa
noite, Brasil?”. E ele, mais entusiasmado, praticamente gritou do outro lado da
linha:
- Boa
noite, Brasil!
Diante
daquela circunstância, quase sem reação, pedi para falar com a filha dele. Totalmente
sem graça foi chamá-la sem perguntar de quem se tratava. Imaginou que a
chamada era do Flávio Cavalcanti, um apresentador fanfarrão que ligava para a
casa de telespectadores e dava prêmios em dinheiro, desde que se atendesse ao chamado
com um efusivo “Boa noite, Brasil”.
“Boa noite,
Brasil“ é o caralho. Eu lá tinha voz de Flávio Cavalcanti?
Pois é. Com ou sem a Carmem, o clima que antecedia a conversa no telefone era repleto de
expectativas, frios na barriga. Havia uma atmosfera de suspense impensável
diante das tecnologias de hoje. Todo o tortuoso caminho que se
percorria para chegar a um simples contato agora inexiste. O Whats App resolve tudo. E, para ele, nem
é preciso responder “Boa noite, Brasil”.