sábado, 8 de novembro de 2014

Desilusões com a política

Desilusões com a política

“Dormia a nossa pátria mãe tão distraída,
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações”
(Chico Buarque)

Quando ouvi que a Dilma havia sido reeleita Presidente do Brasil, tal como reza o senso comum, pensei: “cada povo tem o representante que merece”. Depois, vendo os números da apuração, pensei, em tom de pilhéria, que somente metade da população tem o representante que merece. Segundo esse estapafúrdio raciocínio, nossa presidente careceria da legitimidade necessária à assunção do cargo. Naturalmente, tudo isso não passa de brincadeira. Afinal, o processo eleitoral transcorreu sem que indícios razoáveis de fraude tenham sido verificados. Dilma é, portanto, uma representante legítima do povo brasileiro. Por mais quatro anos, salvo se houver alguma intercorrência legal que possa cassá-la, viveremos sob os auspícios dessa senhora.

Que esse fato não me agrade não é novidade. O que talvez seja novidade é maneira pela qual venho pensando a política.

Sempre descrevi aqui mesmo (vide links abaixo) minhas convicções sobre a política. Manifestei votos, pugnei pela necessidade de se promover discussões respeitando a diversidade ideológica e, mais do que tudo, demonstrei minha frontal contrariedade à postura de quem prega os votos nulo e branco.

Num passado não muito distante, costumava a acreditar que os partidos políticos eram instrumentos de transformação social, capazes de organizar a política e administrar o dissenso. Acreditava também que, à exceção da cultura, não haveria outro caminho que não o político para a transformação da sociedade. Defluía daí minha insistência para que se assumisse, mesmo diante de opções eleitorais não satisfatórias, o compromisso do voto. Todos deviam prestigiar o instituto da representatividade política.

Não foram poucas as vezes em que me insurgi contra opiniões que derivavam do senso comum. “Cada povo tem o representante que merece”, “políticos são todos farinha do mesmo saco”, “Os políticos usam dos partidos para obter vantagens pessoais” e “Não há político que preste, todos são bandidos” foram máximas que rechacei de pronto, convicto de que havia alguns vocacionados e dispostos a atingir o objetivo da política, o bem comum.

Devo confessar que grande parte das minhas convicções eram sustentadas pela práxis de um partido político que honrava seu discurso. Tratava-se de um partido que lutava pela ética na política, que não fazia acordos com meras intenções eleitoreiras e que chegava até mesmo a recusar alianças consideradas espúrias em nome da coerência com sua plataforma ideológica.

A um rapaz que participaria da primeira eleição direta depois dos longos anos do regime de exceção era extremamente sedutora a ideia de que aquele partido poderia romper, em alguma medida, com as práticas fisiológicas, com o nepotismo que sangrava a máquina pública, com o costume do caudilho, com um passado abominável, enfim. No voto da eleição de 1989 depositei muita esperança, sobretudo porque era preciso combater o adversário, àquela altura dos acontecimentos um lídimo representante de todas as práticas nefastas acima aludidas.

Nas eleições subsequentes, já com muitas ressalvas, ainda houve esperança. O discurso continuava sedutor. As metas eram explícitas e ditas com todas as letras: minar a hiperinflação, minimizar as disparidades sociais, proporcionar condições dignas à massa de brasileiros que vivia abaixo da pobreza, erradicar o analfabetismo e distribuir a renda!

O Brasil, diziam, precisava crescer por si só, “jamais dando o peixe, mas ensinando o povo a pescar”. Reproduzia-se essa máxima à larga. O assistencialismo era quase um palavrão, uma afronta ao rigoroso – quase inexorável – estratagema ideológico de desenvolvimento social. Com invejável habilidade, o líder máximo dessa agremiação política convenceu muita gente.

E tinha mais: seus asseclas enchiam a boca para dizer que aquele era o único partido ético, alheio às práticas obscuras da política tradicional, da velhacaria que se praticava amiúde no país. Pugnava-se pela fidelidade partidária, pela coerência ideológica das alianças eleitorais. Em tudo o partido era digno de elogios.

Veio, finalmente, o poder. A esperança venceu o medo, disseram. E, então, começou o pesadelo. O cumprimento das promessas anteriormente jogadas à população se mostrou inviável. O governo do sempre ético Partido dos Trabalhadores ficou refém da política econômica tão criticada por ele mesmo. Aos poucos, o partido mostrou-se contaminado por um sem-número de atitudes suspeitas.

Evidentemente, já estava em curso um discreto processo de aparelhamento do Estado brasileiro. Nas gestões dos executivos municipais não se deixou de verificar o velho nepotismo, outrora acidamente criticado pelo partido. A hipocrisia do discurso era patética. No âmbito federal, alguma coisa acontecia sem que Luiz Inácio “soubesse de nada”.

O “mensalão“ rompeu qualquer dúvida à época existente sobre a idoneidade de muitos políticos do Partido dos Trabalhadores. Rompeu, também, com a aura da pureza e da honestidade que, pensava-se, pertencia a poucos. Caiu por terra a crença de que aquele era um partido afeiçoado à ética na política. Luiz Inácio continuou a reivindicar o monopólio da moralidade pública. Com inenarrável desfaçatez afirmou: “Ninguém neste país tem mais autoridade moral e ética do que nosso partido. Admitimos que tem gente igual a nós, mas não admitimos que tenha melhor”. Quem não conseguiu rir, certamente foi capaz de chorar.

O julgamento da ação penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal não deixou dúvidas sobre a ilicitude das atividades desempenhadas por líderes do Partido dos Trabalhadores, alguns dos quais sempre se orgulharam por terem lutado pela democratização do Brasil. Eles, que supostamente tanto fizeram por uma sociedade democrática, foram condenados por ajudá-la a se corromper. Quanta ironia!

O maior esquema de corrupção praticado no Brasil não foi uma fantasia como querem muitos petistas. Sua apreciação pelo Poder Judiciário não demonstrou a existência de nenhum tribunal de exceção. É muito difícil convencer os donos da verdade sobre a impessoalidade das normas jurídicas. Para eles sempre haverá uma exceção. Eles são a exceção. Por isso, a regra jamais poderá ser aplicada em relação a eles.
                                          
Vivenciando todo esse cenário, somente um insensível não seria capaz de repensar suas convicções. Pois eu, agora, não me tornei adepto das máximas do senso comum. Não entendo que políticos sejam, todos, iguais e inescrupulosos. Mas não posso deixar de afirmar que já não me importo mais com a escolha de uma plataforma partidária e tampouco julgo um político pelo partido ao qual ele está vinculado.

Fidelidade partidária e coerência ideológica não fazem mais parte dos critérios que utilizo para escolher algum representante. Continuo acreditando – não sei por quanto tempo – que os votos nulo e branco não devem ser utilizados. Insisto na necessidade de uma escolha, ainda que ela não nos satisfaça plenamente.

De forma talvez corajosa – ou ingênua! – sigo acreditando que há políticos interessados em transformar a sociedade em que vivemos. Ainda há aqueles que “vivem para a política” e não “vivem da política”, como diria Weber.

Embora desiludido, continuo confiante. 



Links relacionados: