Na semana passada, o Brasil
parece ter ficado perplexo diante da divulgação do teor de algumas redações
integrantes do ENEM. Nelas, os alunos inseriram algo inusitado e completamente
estranho ao tema versado. Um deles resolveu grafar um hino de clube de futebol.
Outro, sob o pretexto de não tornar a dissertação cansativa, decidiu sapecar
ali, em quatro linhas, uma receita de Miojo. A redação tinha por objetivo
discutir a “imigração ilegal”. Nos dois casos, houve nota suficiente para a aprovação.
Com o
escândalo disseminado na mídia, uma corretora foi instada a se manifestar e se
justificou dizendo que "Somos orientados a não sermos rigorosos na
correção". A declaração também ensejou uma série de comentários e observações
de repúdio. Em que pese a orientação dada, há casos especiais em que, por
óbvio, não se pode prescindir do bom senso. O mínimo que se deveria exigir dos
corretores era a sumária reprovação dos candidatos. Em tese, é o que se espera,
também, de uma instituição de educação responsável, séria e ciosa de sua
importância.
A despeito
disso, os responsáveis pela realização do exame afirmaram que a fuga parcial do
tema não poderia motivar a nota zero. Assim, mesmo que parágrafos desconexos
fossem grafados, não se poderia anular o texto por inteiro. Lamentável.
Feitas estas considerações, partamos
para o lado obscuro, subjacente aos fatos em apreço. Por trás da conduta dos
alunos, há um feito digno de nota: foram capazes de atingir um público leitor sobremaneira
volumoso, algo invejável a muitos escritores, cronistas, blogueiros e
ficcionistas de variados matizes. Como as fotos das redações foram publicadas
na rede e inúmeros internautas compartilharam-nas nas redes sociais, a divulgação
do texto ocorreu em progressão geométrica. Nem se dimensione quantos internautas
não se furtaram a clicar na imagem escaneada da redação. O papel pautado e a
inscrição “Folha de Redação” foram o bastante para conquistar a atenção dos
curiosos, entre os quais, naturalmente, eu me incluo.
Quem não parou para ler a
receita? Quem? Não me refiro ao conteúdo dela em si. Afinal, qualquer um sabe
preparar um Miojo. O que talvez tenha açulado a curiosidade dos internautas foi
o contexto, a maneira como o anônimo escritor a introduziu numa dissertação
acadêmica. Sei que muitos esperaram alguma genialidade do garoto, torcendo para
que mediasse o macarrão instantâneo com a imigração ilegal. Eu mesmo,
desavisado, cheguei a imaginar uma trama na qual o Miojo tivesse sido
introduzido em terras brasileiras de maneira sorrateira, justamente por imigrantes
ilegais. “Contrabando de Miojo é prática no Brasil e preocupa a Polícia
Federal”, seria uma das manchetes dos principais jornais nacionais. Todo o
estratagema para trazer ao território pátrio a iguaria instantânea teria sido
idealizado por mentes geniais do crime organizado internacional. Teríamos aí
uma sofisticada narrativa que, porventura, revelaria um novo Dashiell Hammett
ou um Lawrence Block. Ok, fui longe demais.... Não sejamos tão exigentes.
Enfim, por vias oblíquas, os
incautos alunos lograram obter a atenção de um sem-número de leitores. Não
pagaram a publicação, não submeteram seus originais a nenhuma editora, não
publicaram em blog e nem no twitter. Utilizaram-se da forma mais barata e
espontânea para a troça almejada. Só não imaginavam que ela tivesse alcance tão
longo. Procurados para explicações, disseram que suas intenções consistiam em demonstrar
que os corretores não liam as provas. Então, convenhamos, podiam ter sido mais
criativos, redigindo uma peça literária por inteiro. Provavelmente, teriam
editores interessados nas produções de sua lavra.