sábado, 18 de agosto de 2012

Algumas palavras sobre política


Em tempo de futuras eleições, valem algumas palavras sobre política....

Talvez ainda por ingenuidade, acredite que a política seja um instrumento de transformação social e, como tal, capaz de promover o bem comum (é claro que “bem comum” é uma expressão muito vaga). Em que pese ser vista, quase sempre, como mera conquista do poder e de eventuais vantagens materiais, somente a política se presta a realizar essa transformação de modo tão abrupto e fecundo. Não fosse por meio de canais políticos, de instrumentos de poder, o homem não teria logrado a organização social que hoje conhecemos. Muito provavelmente, estaria, ainda, na chamada fase da “democracia direta”, na qual os problemas coletivos eram resolvidos em praça pública, nas Ágoras. Como este tipo de democracia se tornou inviável em tempos modernos, tivemos de recorrer ao esquema representativo. Surgiram, então, as deturpações decorrentes da atividade eleitoral e partidária. Entretanto, essa deturpação nada tem a ver com a finalidade da política, com sua capacidade de aprimorar a vida gregária.

Não é razoável que à política atribuamos a prevalência de interesses pessoais, como se ela fosse culpada pelos desvios humanos e por toda sorte de práticas escusas voltadas para os anseios de eventuais candidatos. É evidente o divórcio entre a atividade política e o uso da política para cumprimento de anseios individuais. Por isso, não se pode, jamais, confundir o político (candidato) com a política (atividade). Há candidatos que vivem para a política, porque são vocacionados e visam a um objetivo alheio à obtenção de prerrogativas espúrias e à abonança material. Não precisarei ir além do que já foi dito, bastando citar o célebre ensaio de Max Weber sobre a política como uma vocação.

Uma das questões que me inquietam é o fato de se desdenhar da política como se ela fosse uma instituição bizarra. Por que entendê-la de maneira diferente quando comparada às outras atividades que assumimos?

Ora, é inescusável que ela pertença a todos os domínios da sociedade. Se assumimos compromissos profissionais e éticos, assumimos, por conseguinte, uma relação manifestamente política. O problema é que os adeptos do senso comum não hesitam em preteri-la, sem saber, no entanto, que estão, de um modo ou de outro, afirmando-a. De maneira bem simplória, a política permeia relações em vários segmentos da sociedade, desde aquela estabelecida entre patrão e empregado até aquela fincada entre membros de uma família.

Meu primeiro professor de Ciência Política, com a clareza solar que lhe era peculiar,  asseverava que qualquer tomada de decisões é uma atitude política. Até mesmo o ato de negar a política, de se dizer “apolítico” é uma conduta inequivocamente política. Em suma, queiramos ou não, assumimos, a todo instante, posições políticas, ainda que o façamos por meio da própria negação da atividade política.

Esse era o caso de intelectuais e modernistas que assumiram muitos postos públicos em prol de um projeto de construção nacional. Em que pese o repúdio que tinham da atividade política, não se furtavam a utilizá-la para fins nobres. Mário de Andrade é um exemplo paradigmático a esse respeito. Não avançarei na discussão porque já escrevi o suficiente sobre o assunto (para quem tiver interesse, vide meu livro Missionários de uma utopia-nacional popular: os intelectuais e o Departamento de Cultura de São Paulo. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2004)

Para terminar esse pequeno post, seria oportuna a menção à proposta de Bobbio em separar a política em duas facetas elementares: a “Política da cultura” e a “política dos políticos”, também chamada de “política ordinária”.

Grosso modo, a primeira pode ser entendida “como atividade dedicada à formação e à transformação da vida dos homens", enquanto a segunda não se difere daquilo que habitualmente vemos em nossos dias: a política como atividade de defesa de interesses particulares e ordinários. A distinção entre ambas parece assumir, ao menos no Brasil, força cada vez maior.

Para quem desejar ler mais sobre o tema, sugiro a leitura das brilhantes obras de Marco Aurélio Nogueira e seu blog: http://marcoanogueira.blogspot.com  



sábado, 11 de agosto de 2012

Itens que você nunca deve dar de presente ao seu pai, sobretudo no Dia dos Pais


Por uma questão de espaço – e de conveniência – o título desse post não deveria ser tão extenso. Todavia, na falta de uma boa opção....

Bom, o enunciado já diz tudo. Trata-se de mais uma lista. Vamos lá:

Uma furadeira (se for daquelas em promoção... nem pensar. Tem algumas que vêm até com uma trena. Isso é uma ofensa, por mais inventivo e prestativo que seu pai seja!);

Uma caixa de ferramentas (vale o mesmo comentário acima);

Um par de meias (é a tradução da falta de criatividade. E de grana.);

Uma gravata (a única diferença com as meias é o valor, quiçá maior, da gravata);

Um ticket de promoção de alinhamento e balanceamento (falta de vergonha na cara!);

Um pijama (o arrependimento da sua conduta virá quando você o vir com as mãos no bolso, abrindo a boca de sono. Se tiver dado as meias ali de cima, fodeu!);

Um par de chinelos de couro (lembre-se: ele é seu pai e não seu avô);

Um par de chinelos de qualquer material (não importa: chinelo é chinelo);

Uma nécessaire (porra, é Dia dos Pais e não das Mães).


sábado, 4 de agosto de 2012

Tio Harlan 8: a tese de doutorado

Tio Harlan 8: a tese de doutorado


Um dia, sentado no sofá da casa do vovô, enquanto assistíamos TV, o tio Harlan conseguiu chamar a atenção de todos. Disse que queria ser doutor. Minha avó, toda inocente, achou que o filho estava tomando jeito, vergonha na cara. Sussurrou um “louvado seja o Senhor” e pensou que teria um médico na família. Que nada!

Depois de assistir a um documentário, o tio Harlan decidiu que seria doutor em Economia. Queria desenvolver uma tese histórica sobre o desenvolvimento do capitalismo. Para ele, Marx, Weber, Dobb e outros estudiosos não chegaram a elaborar uma tese perfeita sobre o assunto porque lhes havia faltado o essencial: a influência dos costumes sexuais da tribo Munkdóicos na gênese do capitalismo industrial. Era essa a proposta da tese do gênio da economia, ainda não descoberto e jamais publicado.

Naturalmente, como ainda não tinha feito o mestrado, não poderia concorrer a uma vaga no doutorado. Mas, o tio Harlan, sempre com aquela megalomania, achou que conseguiria convencer a banca a aprová-lo diretamente para o doutorado. Naquela época, isso era dificílimo. Todavia, ele acreditava que não seria impossível.

Ninguém acreditou quando chegou em casa e avisou que já tinha conversado com um professor. O sujeito se dispusera a orientá-lo. Por certo, era louco ou não havia entendido a proposta de pesquisa que lhe fora apresentada.

O fato é que depois daquele dia, durante um mês, ninguém conseguiu falar com o tio Harlan. Ele se trancou no quarto e passou a redigir o projeto da tese que tencionava escrever e defender. Vovó levava-lhe café da manhã, almoço e janta, sempre com dó do filhinho querido que, pasme, agora era um homem sério, aspirante a título de doutor de universidade pública. Pois a casa virou um sossego.

- Fiz minha inscrição! – foi a notícia bombástica.

Poxa, até eu que nunca me iludi com o tio Harlan, resolvi dar um crédito a ele. É bem verdade que fiz um esforço hercúleo para acreditar na sua “vocação” para pesquisa acadêmica. Estava quase me convencendo quando, um dia, ele chegou em casa com cara de revolta. Havia sido tremendamente injustiçado!

- O que aconteceu, meu filho? – perguntou vovó, já trêmula de piedade.

Todos ouviram sua história. A despeito de ter um projeto de pesquisa genial, capaz de mudar a história moderna da economia, o tio Harlan foi reprovado no processo seletivo para ingresso no doutorado. E a recusa não se deu pela ausência do mestrado.

Sucedeu o seguinte: além de um grande expert em economia, o velho Harlan tinha lá seus devaneios filológicos. Achava-se um linguista do porte de um Houaiss ou de um Aurélio Buarque. Resolveu inovar logo no início do projeto. Como era vidrado em palavras difíceis, queria achar uma correspondente para “introdução”, “introito” ou “prolegômenos”. Assim, abriu o projeto de sua tese de doutorado com o item “Prepúcio” que, na cabeça dele, significava início de alguma coisa.

Quando o pretenso orientador viu o projeto, exclamou:

- Caralho!

O tio Harlan, com aquela vocação ímpar para piada infame, explicou:

- Não é o caralho. É só o prepúcio.

Pronto. Recusaram-se a entrevistá-lo, mandando-o de volta para casa. Até hoje a vovó acredita que ele foi mesmo injustiçado. 


Tio Harlan continua me matando de orgulho....