"Por causa de umas questões paralelas", como diria o poeta, ando sumido da blogosfera. Não é que tenham "cassado meu boletim", mas estou metido com a burocracia da vida acadêmica. Aliás, burocracia na vida acadêmica seria pleonasmo se não fosse tão estúpida. Justamente por se tratar de ambiente no qual as pessoas (supostamente, ao menos supostamente) tenham bom senso, a coisa fica ainda mais desagradável. Há, contudo, algumas boas almas que se salvam, é claro! Eu é que não tenho salvação!
Para que não se pense que estou irascível, digo que nesses quase dois meses sem escrever nada no blog ocorreu-me de aparecer por aqui para contar umas piadas, umas besteiras que andam povoando minha imaginação. Cadê tempo? A correria não deixa. E, o que é pior, até a literatura ficou para escanteio!
Outro dia mesmo, sem querer, entrei na Livraria Cultura e quase não saí de lá. Quando me dei conta, estava lendo uns contos, totalmente absorto, meio quieto, esquecido da vida. Lembrei-me que agora não posso, não! É hora de sofrer com a "angústia das pequenas coisas ridículas".
Por falar em sofrer, na noite de um domingo passado, deparei-me com um espetáculo digno de nota para o final de outro domingo: era o famigerado e esperado encontro do Mano Caetano com o Roberto Carlos, para comemorar os 50 anos da Bossa Nova. De Bossa Nova havia apenas as músicas e o neto do Maestro que, aliás, interpretou de modo belíssimo "Águas de Março".
O resto?
Até hoje tenho medo de sonhar com o Roberto Carlos cantando "Insensatez" em espanhol.
Juro para vocês que eu não estava bêbado.
Boa semana!
"Modelando o artista ao seu feitio/ O tempo, com seu lápis impreciso/ Põe-lhe rugas ao redor da boca/ Como contrapesos de um sorriso. "Tempo e artista" - Chico Buarque/1993
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
sexta-feira, 10 de outubro de 2008
O acordo ortográfico
Pouco antes de completar dois meses sem escrever um post, resolvi aparecer. Mas não para escrever. Coloco abaixo a crônica do Cony de hoje, na Folha. Ela versa sobre o acordo ortográfico entre os países lusófonos. Estou inteiramente de acordo com seu conteúdo. Ei-la:
Um acordo bestial - Carlos Heitor Cony
NO MEU entender, discutir o acordo ortográfico assinado há dias pelo presidente da República parece que não levará a nada. Pode prevalecer por um algum tempo, como as nossas Constituições anteriores, mas de tempos em tempos, além de modificá-las, fazemos uma nova.
Em primeiríssimo lugar, pergunto se há realmente necessidade cultural e prática para estabelecer regras ortográficas a serem usadas pelos países de língua lusófona.
Em geral, cita-se o respeito que devemos ter pela matriz, que é o português. Mas daí a dúvida: que português e que ortografia devem ser respeitadas agora e no futuro? O português e a ortografia de Camões ou Frei Luiz de Souza? Ou de Pero Vaz Caminha que escreveu a certidão de nascimento de um país recém-descoberto? Para não ir muito longe, como adotar a ortografia de nossos clássicos, de José de Anchieta ou de Machado de Assis?
Como aquela "dona" da ópera de Verdi, a linguagem "è mobile", e a ortografia também. Agora mesmo, quando se procura unificar a maneira de escrever palavras, está surgindo uma nova ortografia, até certo ponto radical, usada inicialmente pelos internautas, mas que está vazando para textos literários e do uso cotidiano. "Bj" e "tb", para citar os mais freqüentes, substituem "beijo" e "também".
Uma simplificação? Ou uma agressão à norma dita erudita? Temos o caso de simplificação mais radical na expressão "Vossa Excelência", que foi reduzida para "vosmicê" e terminou na forma simpática e não contestada de "você". Bem verdade que a própria redução foi reduzida e há tempos que usamos o simples "v" para a mesmíssima coisa.
São respeitáveis os argumentos a favor do acordo. Houve outros, no passado, que foram desacordados pelo uso e abuso. No espaço de minha geração, enfrentei várias ortografias, inclusive aquela que aboliu o "w", o "y" e o "k". Houve jornais que passaram a escrever Cubisticheque, quem menos gostou da idéia foi o próprio Kubistchek. "Brincadeira tem hora", disse-me ele.
Eu próprio fiquei chateado quando até uma enciclopédia grafou o meu nome sem o "y". No meu caso, não se tratava de uma pinimba, como em Gilberto Freyre, mas do nome de meus antepassados.
Os adeptos daquela ortografia diziam que o camarada tinha o direito de escrever o próprio nome como bem entendesse, mas os outros não. Esqueceram o fundamental: o nome é, digamos, a marca industrial, a "trademark" de um indivíduo. Em termos de norma culta, a marca do carro Simca devia ser Sinca. E a Telefonica devia ser Telefônica, para estar de acordo com a acentuação das palavras proparoxítonas.
Considerar o acordo como um instrumento poderoso para a unificação cultural e espiritual dos povos lusófonos é apenas uma boa intenção. Esta unificação deve existir sem necessidade de obrigarem os portugueses a escrever "facto" e "fato" com sentidos diferentes. Pensando bem, e analisando historicamente as palavras, há mais sentido em Portugal quando ali escrevem "súbdito" em vez de "súdito". O prefixo "sub" inclui a idéia de submissão e não de "sumissão".
Autores brasileiros reclamam quando seus livros são traduzidos para o português de Portugal. Por acaso, tenho dois livros ali publicados: um foi traduzido literalmente, trem virou comboio e diretor virou director. Honestamente, não me senti insultado. Na versão francesa do mesmo romance, "pacote" virou "paquet". E daí?
O outro, mais recente, foi transcrito tal como o escrevi, mas com abundantes notas ao pé de página. "Dar sopa" foi explicado como "proporcionar" e "torcer" como "desejar". Nos dois casos, o da tradução e o da nota ao pé de página, não foi prejudicada a essência -se é que meus livros têm alguma essência.
Insisto no respeito e na admiração aos abnegados amantes da língua, aqui e em Portugal, que gastaram anos de pesquisa e trabalho na tentativa de unificar a ortografia a ser usada oficialmente no Brasil, Portugal, Angola, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Alvíssaras para o nosso idioma, que segundo Fernando Pessoa, deve ser a nossa pátria. Foi um enorme esforço que os portugueses poderiam classificar de "bestial".
Um acordo bestial - Carlos Heitor Cony
NO MEU entender, discutir o acordo ortográfico assinado há dias pelo presidente da República parece que não levará a nada. Pode prevalecer por um algum tempo, como as nossas Constituições anteriores, mas de tempos em tempos, além de modificá-las, fazemos uma nova.
Em primeiríssimo lugar, pergunto se há realmente necessidade cultural e prática para estabelecer regras ortográficas a serem usadas pelos países de língua lusófona.
Em geral, cita-se o respeito que devemos ter pela matriz, que é o português. Mas daí a dúvida: que português e que ortografia devem ser respeitadas agora e no futuro? O português e a ortografia de Camões ou Frei Luiz de Souza? Ou de Pero Vaz Caminha que escreveu a certidão de nascimento de um país recém-descoberto? Para não ir muito longe, como adotar a ortografia de nossos clássicos, de José de Anchieta ou de Machado de Assis?
Como aquela "dona" da ópera de Verdi, a linguagem "è mobile", e a ortografia também. Agora mesmo, quando se procura unificar a maneira de escrever palavras, está surgindo uma nova ortografia, até certo ponto radical, usada inicialmente pelos internautas, mas que está vazando para textos literários e do uso cotidiano. "Bj" e "tb", para citar os mais freqüentes, substituem "beijo" e "também".
Uma simplificação? Ou uma agressão à norma dita erudita? Temos o caso de simplificação mais radical na expressão "Vossa Excelência", que foi reduzida para "vosmicê" e terminou na forma simpática e não contestada de "você". Bem verdade que a própria redução foi reduzida e há tempos que usamos o simples "v" para a mesmíssima coisa.
São respeitáveis os argumentos a favor do acordo. Houve outros, no passado, que foram desacordados pelo uso e abuso. No espaço de minha geração, enfrentei várias ortografias, inclusive aquela que aboliu o "w", o "y" e o "k". Houve jornais que passaram a escrever Cubisticheque, quem menos gostou da idéia foi o próprio Kubistchek. "Brincadeira tem hora", disse-me ele.
Eu próprio fiquei chateado quando até uma enciclopédia grafou o meu nome sem o "y". No meu caso, não se tratava de uma pinimba, como em Gilberto Freyre, mas do nome de meus antepassados.
Os adeptos daquela ortografia diziam que o camarada tinha o direito de escrever o próprio nome como bem entendesse, mas os outros não. Esqueceram o fundamental: o nome é, digamos, a marca industrial, a "trademark" de um indivíduo. Em termos de norma culta, a marca do carro Simca devia ser Sinca. E a Telefonica devia ser Telefônica, para estar de acordo com a acentuação das palavras proparoxítonas.
Considerar o acordo como um instrumento poderoso para a unificação cultural e espiritual dos povos lusófonos é apenas uma boa intenção. Esta unificação deve existir sem necessidade de obrigarem os portugueses a escrever "facto" e "fato" com sentidos diferentes. Pensando bem, e analisando historicamente as palavras, há mais sentido em Portugal quando ali escrevem "súbdito" em vez de "súdito". O prefixo "sub" inclui a idéia de submissão e não de "sumissão".
Autores brasileiros reclamam quando seus livros são traduzidos para o português de Portugal. Por acaso, tenho dois livros ali publicados: um foi traduzido literalmente, trem virou comboio e diretor virou director. Honestamente, não me senti insultado. Na versão francesa do mesmo romance, "pacote" virou "paquet". E daí?
O outro, mais recente, foi transcrito tal como o escrevi, mas com abundantes notas ao pé de página. "Dar sopa" foi explicado como "proporcionar" e "torcer" como "desejar". Nos dois casos, o da tradução e o da nota ao pé de página, não foi prejudicada a essência -se é que meus livros têm alguma essência.
Insisto no respeito e na admiração aos abnegados amantes da língua, aqui e em Portugal, que gastaram anos de pesquisa e trabalho na tentativa de unificar a ortografia a ser usada oficialmente no Brasil, Portugal, Angola, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Alvíssaras para o nosso idioma, que segundo Fernando Pessoa, deve ser a nossa pátria. Foi um enorme esforço que os portugueses poderiam classificar de "bestial".
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