sexta-feira, 8 de junho de 2012

Um mundo incompreensível

E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
(Chico Buarque – Futuros Amantes)

Há uma ideia recorrente no imaginário popular segundo a qual, no futuro, a humanidade irá investigar os tempos de agora. Daqui a mil, dois mil anos, se ainda houver vida terrena, os homens tentarão tomar conhecimento de seus antepassados, tal como hoje fazemos com os nossos.

A grande vantagem deles é que estará tudo documentado, preferencialmente em arquivos digitais, cujo acesso estará a um clique do mouse do computador ou de qualquer outra tecnologia que porventura se invente até lá. Não sei o que farão com essas informações, mas certamente não terão de comer pó de revistas em estado de decomposição para entender o passado.

Isso só acontecerá se o futuro estiver a salvo de uma daquelas hecatombes previstas pela ficção cinematográfica. Sim, isso só vale se o mundo não for destruído, se forem mantidas as estruturas da terra, as cidades, as metrópoles e, sobretudo, a alma humana. Se não for assim, valerá aquela imagem árida traçada pelo Chico na música em epígrafe: os homens tentarão “decifrar o eco de antigas palavras” e os “vestígios de uma estranha civilização”.

Certamente, os homens do futuro ficarão estupefatos quando lerem que um dia, Aristóteles, totalmente enganado, chegou a afirmar que em sua época a humanidade já havia descoberto as condições para viver confortável e que, doravante, poderia “se dedicar de corpo e alma à elevação do espírito”.

Também ficarão embasbacados quando souberem como a navegação foi capaz de redimensionar a cartografia do mundo, promovendo o desenvolvimento do comércio e do capitalismo mercantil. Não deixarão de se espantar com o avanço da tecnologia, do tear mecânico da produção industrial sob a égide do contexto do século XIX.

Quando ouvirem pela primeira vez a belíssima composição do poetinha Vinícius, Rosa de Hiroshima, não deixarão de lamentar a catástrofe da bomba atômica. Irão pensar nos conflitos de hoje, na estupidez do homem que, lamentavelmente em pleno século XXI, não sabe lidar com mínimas diferenças. Chorarão a morte de muitos em virtude de pretextos religiosos e étnicos.

Quando tomarem conhecimento do surgimento da internet, das formas modernas de comunicação pela telefonia celular, talvez digam que Fernando Henrique Cardoso estava certo ao profetizar que vivemos uma segunda era renascentista. Quando virem o impacto da tecnologia digital para a humanidade, certamente se perguntarão se nós, homens de hoje, estávamos preparados para viver com tanto conforto – aquele conforto que erroneamente Aristóteles imaginou ter atingido em sua época.

Ficarão surpresos quando entenderem o que significou a descoberta da Penicilina, da Quimioterapia, do coquetel AZT, da pílula anticoncepcional, do ultrassom, dos demais exames de imagens e o mapeamento do DNA humano.

Nada disso será, contudo, mais intrigante do que encontrar em algum recôndito desse mundo moralmente destroçado a embalagem de um maço de Marlboro e a clássica garrafa de vidro da Coca-Cola. Diante deles, o mundo será incompreensível.

Nenhum comentário: