sábado, 23 de março de 2013

Escritores anônimos do ENEM


Na semana passada, o Brasil parece ter ficado perplexo diante da divulgação do teor de algumas redações integrantes do ENEM. Nelas, os alunos inseriram algo inusitado e completamente estranho ao tema versado. Um deles resolveu grafar um hino de clube de futebol. Outro, sob o pretexto de não tornar a dissertação cansativa, decidiu sapecar ali, em quatro linhas, uma receita de Miojo. A redação tinha por objetivo discutir a “imigração ilegal”. Nos dois casos, houve nota suficiente para a aprovação.

Com o escândalo disseminado na mídia, uma corretora foi instada a se manifestar e se justificou dizendo que "Somos orientados a não sermos rigorosos na correção". A declaração também ensejou uma série de comentários e observações de repúdio. Em que pese a orientação dada, há casos especiais em que, por óbvio, não se pode prescindir do bom senso. O mínimo que se deveria exigir dos corretores era a sumária reprovação dos candidatos. Em tese, é o que se espera, também, de uma instituição de educação responsável, séria e ciosa de sua importância.

A despeito disso, os responsáveis pela realização do exame afirmaram que a fuga parcial do tema não poderia motivar a nota zero. Assim, mesmo que parágrafos desconexos fossem grafados, não se poderia anular o texto por inteiro. Lamentável.

Feitas estas considerações, partamos para o lado obscuro, subjacente aos fatos em apreço. Por trás da conduta dos alunos, há um feito digno de nota: foram capazes de atingir um público leitor sobremaneira volumoso, algo invejável a muitos escritores, cronistas, blogueiros e ficcionistas de variados matizes. Como as fotos das redações foram publicadas na rede e inúmeros internautas compartilharam-nas nas redes sociais, a divulgação do texto ocorreu em progressão geométrica. Nem se dimensione quantos internautas não se furtaram a clicar na imagem escaneada da redação. O papel pautado e a inscrição “Folha de Redação” foram o bastante para conquistar a atenção dos curiosos, entre os quais, naturalmente, eu me incluo.

Quem não parou para ler a receita? Quem? Não me refiro ao conteúdo dela em si. Afinal, qualquer um sabe preparar um Miojo. O que talvez tenha açulado a curiosidade dos internautas foi o contexto, a maneira como o anônimo escritor a introduziu numa dissertação acadêmica. Sei que muitos esperaram alguma genialidade do garoto, torcendo para que mediasse o macarrão instantâneo com a imigração ilegal. Eu mesmo, desavisado, cheguei a imaginar uma trama na qual o Miojo tivesse sido introduzido em terras brasileiras de maneira sorrateira, justamente por imigrantes ilegais. “Contrabando de Miojo é prática no Brasil e preocupa a Polícia Federal”, seria uma das manchetes dos principais jornais nacionais. Todo o estratagema para trazer ao território pátrio a iguaria instantânea teria sido idealizado por mentes geniais do crime organizado internacional. Teríamos aí uma sofisticada narrativa que, porventura, revelaria um novo Dashiell Hammett ou um Lawrence Block. Ok, fui longe demais.... Não sejamos tão exigentes.

Enfim, por vias oblíquas, os incautos alunos lograram obter a atenção de um sem-número de leitores. Não pagaram a publicação, não submeteram seus originais a nenhuma editora, não publicaram em blog e nem no twitter. Utilizaram-se da forma mais barata e espontânea para a troça almejada. Só não imaginavam que ela tivesse alcance tão longo. Procurados para explicações, disseram que suas intenções consistiam em demonstrar que os corretores não liam as provas. Então, convenhamos, podiam ter sido mais criativos, redigindo uma peça literária por inteiro. Provavelmente, teriam editores interessados nas produções de sua lavra.